domingo, 4 de março de 2007

Doenças e ervas medicinais





"Todas as plantas têm princípios activos, capazes de interferir a nível biológico se ingeridos pelo organismo humano. Destiladas, a maioria das plantas produz essências, álcool e gases combustíveis. Associadas a estas substâncias estão outras que, pela sua concentração, dão propriedades específicas às plantas, como é, por exemplo, o caso das papoilas que produzem o ópio.


Existem vários trabalhos dedicados à flora transmontana; como exemplo, em 1984, Berta Nunes, Ana Paula Oliveira e Margarida Cunha Ferreira publicaram um opúsculo intitulado Plantas Medicinais de Barroso, que está longe de abarcar a totalidade da flora medicinal. Trata-se de um começo, mas sabemos que de muitas plantas nem se suspeita sequer o poder medicinal, porque não foram testadas nem pelo povo nem pela ciência, que se esqueceu, por exemplo, que as poutegas são boas para acudir à fome de Maio.

Não é nosso propósito reproduzir aqui tal trabalho. Relataremos, isso sim, algumas das moléstias identificadas pela medicina popular e indicaremos o prognóstico e tratamento.

Anemia (identifica-se por uma espécie de fraqueza física) - aliviam-na os bolos de milho untados com azeite. Também um litro de vinho com gemas de ovo e açúcar.

Anginas (amígdalas inflamadas) - tomar mel. Aplicar um emplastro quente à volta da garganta (até aguentar a temperatura) e tomar uma bebida alcoólica (vinho) fervida com açúcar ou mel bem quente.

Asma (identifica-se por uma tosse intensa, rouca e frequente) - alivia-se fumando figueiras-de-inferno.

Bexigas (existem várias afecções da bexiga) - as melhores terapias que se conhecem é evitar as bebidas alcoólicas e beber abundantemente a água pura de Barroso. Também as ervas como a salsa, o morangueiro, as barbas de milho, a carqueija ou qualquer chá de folha de lenhosas parece acalmar os males da bexiga.

Bichas - esfregar as fontes da cabeça com alho, tomar diversos chás (absinto, hortelã, etc.) e fazer uma dieta apropriada à base de azeite e alimentos cozidos.

Bronquite (inflamação dos brônquios) - como para a asma, fumar figueiras-de-inferno ou então defumar-se com eucalipto ou loureiro. Alguns chás (como o de eucalipto) são aconselháveis.

Calvície - se se trata da queda do cabelo numa zona específica (peladas), ferver folhas de nogueira e lavar a cabeça com a água. Também se diz que o tabaco macerado pelo menos oito dias tem um resultado idêntico.

Cabresto (ligamento que, por baixo da língua, impede as crianças de pronunciar correctamente alguns fonemas, nomeadamente o «s») - corta-se a «veia» com a navalha de fazer a barba.

Catarro (tosse e dores nas vias respiratórias) - ferver vinho com açúcar ou com mel e bebê-lo. Sopa de frango e legumes onde se cozeu muita cebola.

Constipação e rouquidão - sopa de frango e muita cebola. Vinho quente com açúcar ou mel.

Coqueluche - xarope de folhas de figueira-de-inferno, de flor-de-sargaço, pinhas-bravas ou agriões.

Diabetes (insuficiência de insulina) - dar açúcar aquando das crises. Tomar onze dias chá feito de dois ramos de alecrim, raiz de salsa, cominhos, raiz de madessilva, cinco pontas de pinheiro e cinco folhas de salva fervido cinco minutos em meio litro de água e adoçado com uma colher de açúcar.

Diarreia - comer farelo. A aguardente com açúcar também é utilizada, assim como o trigo seco, o centeio, chá de marmeleiro e a água de pevides da cabaça.

Dores de dentes - para a dor de dentes o melhor remédio é o óleo de cravo-da-índia (ou o cravo esmagado). O álcool (aguardente) e o fumo de cigarro também são recomendados. Contudo, o remédio mais eficaz é lavar a raiz do dente que dói na pia da água benta da igreja.

Dores de ouvidos - fazer repousar o doente e dar leite de mulher.

Equimoses e pisaduras - aplica-se uma bebida alcoólica e a seguir emplastros (como os de papas de linhaça).

Erisipela - caracteriza-se por rubor e temperatura geralmente na cara. É contagiosa. Cura-se com o ar do lume ou colocando um emplastro muito quente.

Escrófulas e ínguas - ranhá-las até fazer sangue e aplicar um unguento especial (de alguns curandeiros) ou então uma casca de cebola embebida em azeite.

Espinhela caída - esta doença é caracterizada por uma astenia global com discurso depressivo. Colocar pimpinelas nas plantas dos pés. Untam-se os pulsos das pessoas com azeite e pendura-se numa trave ou numa porta, esfregando-a até a pessoa ficar extenuada.

Febre - banhos de água fria. Esfregar o doente com urtigas.

Feridas e ferimentos - estanca-se o sangue com a ajuda de garrotes, teias de aranha, açúcar e ligaduras. A saliva do cão acelera a cura, mas podem-se aplicar outras substâncias, sobretudo álcool. A medicina popular produziu algumas pomadas, como esta receita recolhida em Seselhe: sebo de carneiro branco, sebo de carneiro preto, alvaiado e secante.

Fígado - evitar as bebidas alcoólicas e beber apenas água pura de Barroso, O chá de marroios e da erva de S. Silvestre também é aconselhável.

Gota - a gota manifesta-se geralmente pelo inchar dos pés e uma dor aguda impedindo a marcha. Também podem existir dores nas outras articulações. Cura-se com uma dieta sem gorduras e sem bebidas alcoólicas. Por outro lado, pôr a zona atingida (geralmente os pés) em água salgada ou ferver folhas de nogueira e meter os pés nessa água à temperatura mais elevada que se puder aguentar. Dormir com os pés mais altos que o corpo.

Gretas (pele e músculos cortados, sobretudo nas mãos, por causa do trabalho) - esfregar com uma bebida alcoólica. Colocar sabão ou cera em cima das gretas.

Gripe - sopa de frango com muita cebola. Tomar também uma bebida alcoólica quente com açúcar ou mel. O mel, o alecrim, o vinho e a banha de porco fervidos também parecem ser um bom remédio.

Hemoptises (escarros de sangue) - xarope de uma bebida alcoólica (aguardente) com açúcar ou mel bem quente. Beber um copo de urina de uma pessoa mais nova.

Icterícia (caracteriza-se pelo aparecimento de zonas amarelas, sobretudo nas órbitas oculares; diz-se que é por via do fel do fígado) - comem-se nove piolhos vivos acompanhados ou não de farinha, mel, açúcar, fazendo-se em seguida uma dieta à base de caldos.

Infecções - esfregar com uma bebida alcoólica. A raiz de urtiga, as folhas de nogueira, as malvas e a erva-de-sete-sangrias também atalham as infecções.

Infecções da boca - bochechar com uma bebida alcoólica. Desfazer ciganos, deixá-los a macerar em água e lavar a boca com essa água.

Intestinos - água pura de Barroso, aguardente, nozes e pão. O farelo e a farinha parecem ser eficazes na regulação dos intestinos, assim como os legumes. Os chás de arruda, salva, caroço de marmelo ou artemísia também são indicados.

Mordeduras de cobras (sobretudo de víboras) - alarga-se o sítio da mordedura com uma navalha e chupa-se o sangue para sair o veneno. Se for nos membros, usa-se o garrote para impedir o sangue de circular. Chá de casca de giesta bem concentrado. Também há quem use colocar a carne quente de um gato sobre a mordedura. Se em vinte e quatro horas a pessoa não morrer é porque se salva.

Mordeduras de licranços - deita-se gordura na mordedura. Se em vinte e quatro horas a pessoa não morrer é porque se salva.

Mordeduras de abelhas e vespas - coloca-se uma lâmina de aço no local da mordedura, que alivia a dor e impede de inchar.

Névoas nos olhos - merda de lagarto. Usa-se também lavá-los com urina.

Órgãos genitais femininos - trata-se sobretudo dos corrimentos, que param lavando com água de malvas.

Pedras nos rins - água pura de Barroso. Banhos de cozimento de chapotos de flor branca.

Peito apertado (dores fortes aquando da inspiração) - chá de duas folhas de eucalipto, hortelã-pimenta, raiz de alho, casca de cedro, raiz de carqueja e grão de erva-doce. Ferver cinco minutos em meio litro de água, adoçar com duas colheres de açúcar e tomar sete dias.

Queimaduras - água de cal, água gelada (gelo, neve). Quando a dor acalmar colocar um emplasto de sebo. Um emplasto de sabão, açúcar e azeite também é eficaz.

Reumatismo (dores crónicas dos ossos) - esfregar o local com a banha da cobra e beber a água onde foi cozida a cobra depois de lhe terem sido cortados dois palmos, um para o lado da cabeça e outro para o lado do rabo, pois, segundo a crença, é nestes pontos que existe o veneno.

Rins - água pura de Barroso. Chá de erva de S. Roberto.

Sangue pisado - passa em dois ou três dias se esfregado frequentemente com aguardente. Utilizar sanguessugas.

Sarna (é devida a um ácaro que cava galerias na pele para aí depositar os ovos; manifesta-se por erupções e coceira) - esfrega-se a pele abundantemente com uma bebida alcoólica. A água onde se ferveu flor de carqueja também resulta, assim como banha de cobra.

Tensão (alta e baixa) - substâncias contidas no pão de centeio regulam a tensão. O chá de oliveira parece também ser um regulador natural.

Tersol (tersolho - erupções nas pálpebras) - lava-se com água das pias das galinhas e esfrega-se com alho.

Tosse - chá de folhas de castanheiro ou de laranjeira. Também se costumam defumar as pessoas com estas duas plantas. Um remédio eficaz é ameaçar alguém de se lhe tirar a tosse (Gralhas).

Trasorelho (maleitas) (inflamação de um lado do queixo) - esfrega-se o local com as molidas ou com o jugo dos bois ainda quentes. Cozer a queixada de um reco e esfregar o maxilar do doente com a medula óssea.

Tuberculose (identifica-se por uma tosse rouca e fraqueza geral) - cura-se à base de murta, mel, açúcar e ovos. O que é preciso é fabricar uma bebida bem quente que alimente o como e ao mesmo tempo arrebente com os micróbios."

(Fonte: Medicina Popular - Ensaio de Antropologia Médica, de António Fontes e João Gomes Sanches, Âncora Editora, Colecção "Raízes", Março de 1999 - p.62 a 64)



Source: http://www.folclore-online.com

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