por Christiano Torchi
O sonho é um fenômeno corriqueiro, comum a todas as pessoas, que sempre intrigou os seres humanos e que está intimamente ligado ao sono. Quem já não sonhou estar voando? Quem já não sonhou com pessoas falecidas ou desencarnadas...?
Com o advento da Doutrina Espírita, a partir de 1857, muita luz se projetou sobre o enigma do sono e dos sonhos1, cujos princípios repousam sobre o axioma de que o homem é um ser integral, constituído de corpo e alma, independentes entre si, premissa que tem auxiliado grandemente o entendimento do fenômeno. Observando a incapacidade humana de compreender os sonhos, os Espíritos exclamaram: “Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares fenômenos da vida!”2
Todos sonhamos, ainda que não nos lembremos! O sonho, a catalepsia, a letargia3 e o sonambulismo4 são todos fenômenos de emancipação ou desdobramento da alma. O Espírito se desdobra, quando se desprende parcialmente do corpo físico, permanecendo unido a este por um cordão ou laço fluídico5 (conhecido, vulgarmente, como “cordão prateado6”), situação que ocorre diuturnamente nos momentos do sono físico ou mesmo durante um leve cochilo.
Ao dormirmos, ficamos, temporariamente, no mesmo estado em que permaneceremos depois da morte física, motivo pelo qual se diz que o sono é um treino para a morte. Sob esta ótica, pode-se dizer que todos os dias morremos.
O sonho é a lembrança mais ou menos nítida das experiências que o Espírito traz, ao despertar, de sua excursão pelo Plano Espiritual. Constitui, por isso, uma das evidências da realidade da alma. Quando o corpo repousa, o Espírito libera um pouco mais suas faculdades, ao contrário do que acontece quando se encontra acordado, lembrando-se, muitas vezes, do passado e até penetrando o futuro.
Se não dormíssemos, a encarnação e o nosso progresso espiritual certamente estariam comprometidos, uma vez que é no mundo espiritual a nossa pátria verdadeira onde buscamos forças para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia, no plano físico. Não sem razão os Espíritos disseram, na q. 402 da primeira obra básica que o sono é a porta que Deus abre aos homens, para que possam relacionar-se com os amigos do céu; é o recreio depois do trabalho.
Graças ao sono, os encarnados estão sempre em contacto mais estreito com os desencarnados e inclusive com outros encarnados. O Espírito jamais está inativo. O sono, além de proporcionar o descanso e o refazimento do corpo físico, facilita a ampliação das percepções psíquicas e fornece maior intensidade ao raciocínio e à memória.
A interpretação onírica é um dos aspectos mais controvertidos deste tema. Muitas teorias exóticas, para não dizer fantasiosas, já se levantaram sobre a interpretação dos sonhos.
Em 1900, Sigmund Freud (1856-1939), considerado o “pai da Psicanálise”7, lançou a obra A interpretação dos sonhos, que trouxe uma contribuição acadêmica importante ao estudo deste interessante fenômeno. Entretanto, Freud não levava em consideração o elemento espiritual, motivo por que as suas teorias psicanalíticas nem sempre explicam todos os fatos relacionados com os sonhos, apresentando, mesmo, diversas lacunas.
Conforme anotado pelo Espírito André Luiz, na obra “Os Mensageiros”, “Freud foi um grande missionário da Ciência; no entanto, manteve-se, como qualquer Espírito encarnado, sob certas limitações. Fez muito, mas não tudo, na esfera da indagação psíquica”8.
Portanto, muito antes de Freud, o Espiritismo já havia desvendado os sonhos, que podem representar diversas situações.
Algumas delas são:
a) visão atual de coisas presentes ou ausentes;
b) visão retrospectiva do passado;
c) em alguns casos menos freqüentes, pressentimento do futuro;
d) comumente, constituem quadros alegóricos (simbólicos) que os bons Espíritos nos apresentam como úteis advertências ou salutares conselhos;
e) de outras vezes, esses quadros alegóricos são produzidos por Espíritos imperfeitos, quando tentam nos enganar e explorar nossas paixões;
f) em outras circunstâncias, o sonho pode representar apenas uma ruminação das experiências vividas durante o período em que o Espírito permaneceu acordado.
Nesse caso, o sonho não retrata propriamente lembranças de fatos ocorridos na espiritualidade, mas apenas criações fluídicas do pensamento derivadas de alguma preocupação ou experiências mais fortes vivenciadas durante o dia, fenômeno designado pela Psicanálise de “restos do dia”.
Como lembram os imortais na q. 404 de O Livro dos Espíritos, “os sonhos não são verdadeiros como o entendem os ledores de buena-dicha [adivinhos], pois fôra absurdo crer-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no sentido de que apresentam imagens que, para o Espírito, têm realidade, porém que, freqüentemente, nenhuma relação guardam com o que se passa na vida corporal”.
O despertamento do sono indica que o Espírito, acompanhado de seu envoltório, o períspírito, este de natureza semimaterial sutil ou quintessenciada, retornou ao casulo carnal, trazendo as memórias de suas experiências pelo mundo espiritual, as quais, entretanto, em virtude do contacto do perispírito com as células, são abafadas pelo corpo denso, cujos átomos vibram com maior lentidão.
Por causa disso, muitas vezes não lembramos dos sonhos ou apenas nos recordamos de partes deles, que nada mais são do que trechos de lembranças de nossas experiências pelo mundo invisível, fazendo com que se apresentem estranhos, sem muito nexo, como se estivéssemos lendo uma página em que algumas palavras, linhas ou mesmo frases inteiras estivessem apagadas, truncando ou impedindo a compreensão integral da mensagem.
Tal fenômeno ocorre porque a apreensão dos fatos, nos sonhos, é feita diretamente pelo pensamento, não passando pelos órgãos dos sentidos. Pondere-se, ainda, que a linguagem do pensamento é universal, enquanto a linguagem das palavras articuladas é revestida de símbolos que nem sempre traduzem, com exatidão, a essência das experiências vivenciadas pelo Espírito, que não encontram analogia no estreito vocabulário humano. Isso, de certo modo, explica por que duas pessoas estrangeiras, mesmo não conhecendo o idioma um do outro, podem se comunicar pela via telepática.
Ao penetrar o mundo espiritual, pelas portas do sono, o encarnado entra em relação mais próxima com outros Espíritos, encarnados ou desencarnados, onde influencia e é influenciado, para o bem ou para o mal, conforme suas afinidades e tendências. Muitas decisões que tomamos e idéias que temos, durante o dia, são hauridas desses relacionamentos extracorpóreos.
Por isso, os Benfeitores Espirituais recomendam que sempre oremos antes de dormir10, para que nos constatemos com Espíritos que estejam em condições morais superiores à nossa, ocasião em que podemos receber ajuda, além de sermos úteis, promovendo boas obras e inclusive auxiliando Espíritos necessitados, se for o caso. Como alerta Carlos Torres Pastorino, em seu opúsculo Minutos de Sabedoria11, não devemos nos impressionar com os sonhos. Isto poderia levar-nos a extravagâncias ridículas.
Vivamos acordados no bem que os nossos sonhos serão belos e bons. Se alguma característica de verdade nos for revelada em sonho, aceitemo-la com simplicidade, mas não nos deixemos levar por interpretações supersticiosas. Procuremos sempre o lado bom das coisas.
Concluindo, os sonhos encontram explicações nas leis que governam as relações entre o mundo físico e o mundo espiritual, decorrentes da existência do Espírito, do perispírito e dos fluidos espirituais, a chave que faltava para a melhor compreensão desses fenômenos.
Notas:
1. Sobre o sono e os sonhos, consulte o que os Espíritos superiores disseram a Kardec, no cap. VIII da parte 2ª de O Livro dos Espíritos, sob os títulos “Da Emancipação da Alma” (q. 400 a 412) e “Visitas Espíritas Entre Pessoas Vivas” (q. 413 a 418).
2. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 72ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1992. Cap. VIII, “Da Emancipação da Alma”, p. 222 (questão n. 402).
3. A catalepsia e a letargia são uma espécie de sono físico de ordem patológica e caracterizam-se pela perda temporária da sensibilidade e do movimento do corpo físico, que assume, temporariamente, a aparência da morte biológica. É um fenômeno bastante comum, embora pouco pesquisado. Muitas vezes, o corpo da pessoa é sepultado sem que tenha ainda realmente ocorrido a morte. Alguns desses fenômenos estão descritos no Novo Testamento (Lucas, 7:11-17 [o filho da viúva de Naim] e Mateus, 9:23-26 [a filha de Jairo]), sendo o caso mais conhecido o da ressurreição de Lázaro (João, 11:1-46).
4. O sonambulismo “é um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito” (q. 425 de O Livro dos Espíritos).
5. Sobre o laço fluídico, consulte O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, cap. VII, item 118, e o cap. XXV, item 284.
6. Eclesiastes, 12:6.
7. Método desenvolvido para tratar de distúrbios psíquicos a partir da investigação do inconsciente.
8. Obra citada. 24a ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. Cap. 38, “Atividade Plena”, p. 202.
9. Sobre a interpretação dos sonhos, na ótica espírita, consulte também O Livro dos Médiuns, cap. VI, “Das Manifestações Visuais”, item 101: “Ensaios Teóricos Sobre as Aparições”; e A Gênese, cap. XIV, “Fatos Tidos como Sobrenaturais”, item 28: “Vista Espiritual ou psíquica. Dupla Vista. Sonambulismo. Sonhos”.
10. A respeito da importância da oração antes do sono, consulte o item 38 do cap. XXVIII, de O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Coletânea de Preces Espíritas. Preces por aquele mesmo que ora. A hora de dormir”.
11. Obra citada. 39a ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000, p. 33.
Artigo publicado no Boletim GEAE /Ano 16 – 2008/ Nº 536
http://www.guiasaojose.com.br/novo/coluna/index_novo.asp?id=1620
Source: http://port.pravda.ru
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