quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Idiotas Chipados

Julho 29, 2008
by Pedro Nunes






Está consumada. Uma barbaridade que nunca julguei possível.

O chipamento da vida dos cidadãos.

Claro que "apenas" nos carros em que se deslocam.
Claro que "só" por motivos utilitários e reactivos a uma insegurança que, como não respeita nada nem niguém, tem resposta pronta e adequada de quem nos "governa".
Claro que é para o nosso bem....
Claro!

O que acontece é que cada vez menos gosto desta sociedade em que vivo. Cada vez mais me inquieta que esteja a criar um filho inocente - futuro cidadão - para o entregar nas mãos de um monstro silencioso.

E por imperativos de moral e de razão não estar a artilhá-lo com as ferramentas de violência adequadas a responder-lhe, quando velho não me couber já a mim lutar num combate de uma outra dimensão, com a vitalidade que então já não terei.


Há muito que a questão do "divórcio entre cidadãos e os seus governantes" está ultrapassada...

[...O "divórcio" entre os cidadãos e o próprio "sistema democrático" que os rege nunca sequer esteve sobre a mesa, na medida em que ninguém se "divorcia" de algo a que nunca esteve intimamente ligado.]


...Hoje - resultado de um intrincado processo e de uma intrincada manipulação - os cidadãos estão divorciados de si mesmos. Cada qual já não procura saber o que pode fazer pela Nação, mas também já nem lhe interessa saber o que a "Nação" pode fazer por si - exercício penoso de intelecto e civismo a que ninguém se sujeita - cortado em qualquer sentido o cordão umbilical que o ligaria à comunidade dos seus semelhantes.

Hoje, o cidadão divorciado de si mesmo não procura intervir sobre o seu meio, atrofiado na sua iniciativa. Não procura intervir sobre a quem, de forma diferida, poderia caberia essa intervenção, atrofiado na sua voz.

Hoje, o cidadão constitui o isolamento a sua forma de integração social. [Que ainda que conducente à sua fragilidade e ao seu - inevitável - desespero, tanto o seduz pela ociosidade como lhe surge difuso na anestesia pop do mediatismo e do consumo.]


E, desenraizado, perde os seus referenciais. O seu contexto, a sua identidade e o seu auto-respeito.

Perde a noção de uma origem e de um futuro colectivos - cuja alusão o enchem de um espanto genuíno e de uma indiferença exuberante, nascidos da ignorância, da inconsciência e do orgulho.

Perde o sentido da sua existência.

E está pronto para a ceifa.


Quando o Presidente da República promulga o decreto-lei que permitirá a instalação de chips (...não, não são batatas!) em todos os veículos motorizados, sob pretextos de "facilitar o trabalho das forças de segurança, que terão acesso à informação sobre inspecção periódica e seguro automóvel", "permitir o reconhecimento de veículos acidentados e abandonados" e "ser utilizado na cobrança de portagens e outras taxas rodoviárias", "entende que as dúvidas relativas à reserva da intimidade da vida privada podem ser resolvidas pelo Governo".

Ora, tanto os motivos alegados estão pela insignificância cobertos de ridículo, como o laçarote formal dado à ameaça da privacidade dos cidadãos acrescenta à estupefacção toda a repulsa possível.


Não existe motivo plausível para o controlo em tempo real da circulação individual.

Para a sua vigilância.

Para a sua indexação.

Para o seu arquivamento metódico.

Para a sua consulta cirúrgica.


Nem motivo plausível, nem justificação aceitável.

Só numa Nação em que mais por folclore que por convicção se desfraldam os pendões da luta democrática, se admite que se venda em hasta a liberdade de agir do cidadão.

...Porque é dela que se trata!

Se alguém não é livre no resguardo dos seus movimentos, é coarctado neles.

E quando a segurança dos cidadãos é prometida às mãos - não só dos políticos, mas - de um "Governo" que nasceu e vive sob o signo da manipulação, todo o alarme social seria justificado...


...Não fosse já o alarme social o último ingrediente necessário ao caldo da desarticulação da cidadania.

Cidadãos entorpecidos, superficiais e impotentes, não necessitam senão de um empurrão para que aos seus olhos qualquer fórmula manhosa de salvamento seja providencial.

"A criminalidade crescente requer actos radicais."

[Aterrorizar/controlar. Enfraquecer/dominar.]

Primeiro, sob o olhar de uma câmara indiscreta, omnipresente, em circuito fechado paternal sobre o homem...

...Depois, sob uma mesma câmara, fria e penetrante, cerrado no abraço esmagador de um círculo fechado sem apelo.

("Tal e qual como nos States..." - Pela boca tantos morrem...)

Tal como no livro de Orwell.


Mas contra a probabilidade, parece ter aparecido quem ouvisse a notícia. Quem se pusesse a pensar e tirasse conclusão. Parece que até houve mesmo alguém com opinião. E que ousou partilhá-la. E que na largura da net chamou outros a fazê-lo.

...E que de novo mostrou que isso é fácil e é fértil.

Não fui eu, mas aderi. Porque o medo e a revolta também os transporto em mim. Por mim, por quem passa a meu lado, por aqueles que me seguem e pelos que hão-de vir... Porque o desgosto galopante de viver no idiotismo também me revolta as entranhas!

Por continuar a crer que a corja que nos apouca nada pode contra nós.

Queiramos. Façamos. Ousemos.

E ser livre pode ser já.






Source: http://pedronunesnomundo.blogspot.com

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