quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Mega-estudo do autismo dá os primeiros resultados

Ana Gerschenfeld
19.02.2007



Foram precisos cinco anos, com 136 cientistas a trabalhar em 13 centros de investigação na América do Norte e na Europa, para estudar à lupa o ADN de 1168 famílias atingidas pelo autismo, à procura de pistas sobre as bases genéticas desta trágica doença mental.

Os resultados desta primeira fase do maior estudo genético de sempre do autismo, liderado pelo consórcio internacional Autism Genome Project, foram publicados ontem na edição on-line da prestigiada revista Nature Genetics.

O autismo é uma doença complexa do desenvolvimento cerebral que se manifesta por volta dos dois a três anos de idade, afectando quatro vezes mais rapazes do que raparigas. Caracteriza-se por uma profunda perturbação da capacidade de comunicar e de estabelecer relações sociais e afectivas, bem como por padrões de comportamento e interesses limitados, repetitivos e estranhos.

Existe, na realidade, toda uma constelação de perturbações associadas ao autismo, que têm em comum este núcleo característico de sintomas, e que podem ou não ser acompanhadas por atraso mental (ligeiro a profundo) e outras deficiências neurológicas. Segundo dados publicados há dias pelas autoridades de saúde norte-americanas, um em cada 150 jovens nos EUA sofre de a lgum tipo de autismo.

O autismo tem uma forte componente hereditária. Certos genes determinam a propensão para desenvolver a doença, mas os sintomas e a sua gravidade dependem muitas vezes de outros factores genéticos e de diversos factores ambientais.

Apenas dez por cento dos casos de autismo são causados por anomalias num único gene (tais como a síndrome do X frágil, a esclerose tuberosa e a síndrome de Rett) ou por anomalias cromossómicas que afectam o desenvolvimento do cérebro.

Nesta primeira fase do estudo, os investigadores analisaram os genes de 1168 famílias com pelo menos duas crianças afectadas, utilizando uma dupla abordagem. O “neurexin 1” Por um lado, graças à técnica dos chips de ADN, que permitem estudar milhares de genes ao mesmo tempo, os cientistas procuraram detectar características genéticas comuns em subgrupos de crianças com sintomas autísticos semelhantes.

Por outro, estudaram a variabilidade do número de cópias de determinados fragmentos genéticos no ADN dos doentes, diminutas anomalias genéticas que se suspeita possam fazer aumentar o risco de desenvolver alguma forma de autismo.

Conseguiram assim identificar um gene, o “neurexin 1”, e uma região do cromossoma 11 que estão muito provavelmente envolvidos na susceptibilidade genética ao autismo. O neurexin 1 pertence a uma família de genes envolvidos na comunicação entre as células do cérebro que utilizam um neurotransmissor chamado “glutamato” para falar umas com outras. “O neurexin 1 é um candidato bastante provável”, diz Gerard Schellenberg, da Universidade de Washington em Seattle, um dos co-autores do arti- go, citado por um comunicado daquela instituição.

“Produz uma proteína que permite a um neurónio contactar com outro”. O glutamato tem, aliás, sido implicado no autismo em estudos anteriores. Quanto à região identificada no cromossoma 11, ainda será preciso estudá-la. “Pensamos que há ali um outro gene de susceptibilidade e estamos a procurá-lo activamente”, salienta ainda Schellenberg.

Esta será umas das tarefas a realizar na segunda fase do estudo, cujo lançamento também foi ontem oficializado, e que beneficiará de um orçamento de 11,2 milhões de euros ao longo de três anos.

O financiamento desta segunda fase provém da Autism Speaks (entidade internacional de angariação de fundos sem fins lucrativos, que também co-financiou a primeira fase, juntamente com os National Institutes of Health norte-americanos), das autoridades de saúde do Reino Unido, da Irlanda e do Canadá e de várias entidades privadas.



Source: http://www.publico.clix.pt

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